Túnel de Vento: Quando teremos um?
Quantos praticantes de skydiving já não sonharam com a possibilidade de treinar em um túnel de vento vertical? E quantos já não tiveram pesadelos com a impossibilidade de fazer este excelente treinamento? Imagine seu primeiro salto de free-fall totalmente estabilizado, ou aquele seu salto com aquela manobra radical de free-style feita de forma perfeita já na primeira tentativa. Imaginou?! Tudo isto pode ser possível quando se realiza um treinamento em um bom túnel de vento. Mas onde existem estes túneis? Todos são bons? Existe algum túnel no Brasil? Bem, são estas perguntas que tentaremos responder nas linhas que se seguem.
Existem milhares de túneis de vento ao redor do mundo nas mais variadas aplicações possíveis. Os túneis de vento, além das aplicações esportivas, podem ser utilizados para o ensaio de aeronaves (aviões, helicópteros, veículos espaciais, etc.), automóveis, edifícios, pára-quedas, motores, sistemas de refrigeração, etc. No Brasil também temos vários túneis, principalmente em Institutos e Faculdades das regiões sul e sudeste. Sendo que a maior concentração de túneis de vento se encontra no Centro Técnico Aeroespacial (CTA), em São José dos Campos. Um desses túneis do CTA é o maior da América Latina, com a maior hélice do hemisfério sul, sendo utilizado para ensaios de aviões da FAB, aviões da EMBRAER, carros de Fórmula 1, além de vários outros tipos de ensaios.
Quanto aos túneis de vento para a simulação de queda livre de seres humanos, estes são em número reduzido, algo da ordem de 20 aparelhos no mundo, sendo que, deste total, somente uma parte está em operação e, destes, somente alguns poderiam ser considerados equipamentos profissionais. O Flyaway Indoor Skydiving Simulator, com seu primeiro protótipo nos EUA, é certamente o túnel mais conhecido, seguido pelo Airodium, na Suíça, pelos túneis da escola de pára-quedismo FreeFlight, pelo túnel que está atualmente no Zero-G Club, na Venezuela, e pelo túnel apresentado no filme Drop Zone. Para maiores informações, existe a ótima homepage no site www.primeline.com, resultado do árduo trabalho de pesquisa por parte de Chris Landon, onde além de serem listados os túneis existentes e algumas de suas características, existem também algumas elucidações sobre VWT’s (Vertical Wind Tunnels).
Se você está interessado em fazer treinamento em algum destes simuladores, procure conhecê-lo bem. Antes de tudo informe-se quanto às condições de segurança, procure saber se são fornecidos trajes apropriados como macacões especiais, capacetes, joelheiras, cotoveleiras e óculos. Verifique se os túneis possuem paredes ou redes laterais, ou colchões bem largos, para evitar que uma rajada lateral de vento não lhe impulsione para fora do aparelho, causando um acidente. Também verifique se a hélice está bem confinada para evitar que alguém caia entre suas pás ou, no caso do rompimento de uma destas pás, esta não seja arremessada, o que poderia provocar um enorme acidente.
Depois de analisar as condições de segurança, é importante verificar quão bem as condições as condições reais de queda livre são simuladas. Um primeiro parâmetro para se verificar isto é a velocidade do ar fornecida pelos túneis. Durante a queda na atmosfera, o corpo de um ser humano pode ter sua velocidade de queda variando aproximadamente entre 110 mph (177 Km/h) e 180 mph (290 Km/h), dependendo do peso da pessoa e da posição com que ela cai. Para se simular uma grande gama de posições, seria interessante que os túneis fossem capazes de fornecer uma velocidade máxima com um valor próximo á média dos extremos da faixa de velocidade citada anteriormente, mas, devido a limitações de potência de motor e problemas aerodinâmicos, esta velocidade não é alcançada pela grande maioria dos túneis atuais e, para se compensar estas limitações, são concebidos trajes largos com objetivo de aumentar a área molhada (termo utilizado em aerodinâmica para indicar a área que é “molhada” pelo escoamento do ar), conseguindo-se, assim, diminuir a velocidade de ar necessária para a sustentação da pessoa. Mas o uso de trajes largos tira o grau de mobilidade do flier, comprometendo a perfeita simulação das condições reais. E se a pessoa ainda tiver um peso bem acima da média, é ainda mais importante verificar as limitações de velocidade do túnel; pode ser que esta pessoa nem consiga se afastar da rede inferior.
Além da velocidade do ar, também é importante verificar a qualidade do escoamento. Ao impulsionar o ar, a hélice provoca um escoamento muito diferente do que ocorre na queda livre real. Para resolver este problema são colocadas superfícies para o redirecionamento do escoamento distorcido para uma configuração próxima á da queda real, mas, na maioria dos casos, estas superfícies não são dimensionadas por especialistas em aerodinâmica, podendo comprometer a qualidade do escoamento, além de gerar uma velocidade de escoamento muito abaixo do que poderia ser obtido com a mesma potência de motor. Quando as exigências aerodinâmicas são desrespeitadas, podemos ter ainda um escoamento com um alto grau de turbulência, o que, além de comprometer muito a estabilidade dos usuários, pode gerar uma grande quantidade de ruído, principalmente nos túneis abertos. Esta alta intensidade de ruído pode também acontecer quando não é feito um bom tratamento acústico sobre o motor, sobre a hélice e/ou a estrutura do túnel ou também quando a hélice não está devidamente balanceada.
A grande maioria dos túneis atuais apresenta um custo operacional muito alto, principalmente quando ao consumo de combustível, podendo gastar no caso de motores diesel, mais de 100 litros por hora. Além deste alto custo operacional temos também um alto custo de construção, ou aquisição, que está ligado à qualidade do túnel e ao fim a que se destina, podendo variar de cem mil até seis milhões de dólares, e uma grande parcela deste custo está relacionada á aquisição do motor. No caso de equipamentos profissionais, o limite inferior para o custo inicial não seria cem mil, mas pelo menos três vezes este valor. Estes altos custos se refletem diretamente no preço para o usuário final, mas este preço ainda é baixo em relação ao preço do salto. Mas nem todas as pessoas têm um túnel perto de casa, muitas precisam fazer longas e caras viagens para poder utilizar estes aparelhos, o que inviabiliza este treino para muitas delas. Mas teremos algum túnel aqui perto de casa? No Brasil?
No Brasil temos muitos boatos, quantos já não ouviram falar que tal pessoa estava fazendo um túnel de vento ou que uma outra estaria trazendo um dos EUA? Mas, de concreto, ainda não temos nada. Os grandes empecilhos para isto são os custos destes túneis, tanto o custo de aquisição quanto o de operação, e os conhecimentos técnicos necessários, principalmente na área de aerodinâmica e acústica. A aplicação destes conhecimentos técnicos na construção de aeronaves e túneis de vento já vem sendo feita há mais de meio século no ramo da aeronáutica, existindo uma enormidade de material que pode ser facilmente encontrada em bibliotecas aeronáuticas, como nas bibliotecas de CTA e no conjunto de bibliotecas ligadas a Nasa. Mas parece que estes conhecimentos foram desprezados, ou foram muito pouco utilizados, por todos os empreendedores do mundo que se embrenharam na tarefa de construir túneis para simulação de queda livre de seres humanos. A título de exemplo, para uma mesma condição de simulação poderíamos ter túneis com um aproveitamento de potência quatro vezes maior do que a média do aproveitamento dos atuais túneis de queda livre do mundo, fato que implicaria uma grande diminuição nos custos de operação, mantendo-se custos de construção compatíveis com os custos dos atuais túneis profissionais.
Existem, no Brasil, profissionais de nível internacional nas mais variadas áreas necessárias á construção de um túnel de vento, profissionais que poderiam trabalhar em conjunto com uma empresa estrangeira que já tenha alguma experiência em túneis de queda livre, todos estes patrocinados por uma empresa inteligente e com boa visão de futuro. Desta maneira não teríamos apenas um túnel de vento no Brasil, mas teríamos um dos melhores do mundo, tanto em custos como em qualidade de simulação, e quem mais ganharia com isso seriam certamente os usuários brasileiros e seus vizinhos. Mas isto parece tão óbvio! Por que ainda ninguém o fez?! Porque os precursores destes túneis de simulação de queda livre de seres humanos criaram um paradigma distante da tecnologia aeronáutica, que tem influenciado, até hoje, praticamente todos os construtores destes túneis verticais. Mas estes paradigmas serão rompidos?! Teremos um dos melhores túneis do mundo?! Podemos afirmar que em breve teremos um túnel, o Brasil está exigindo isto, mas, quanto à qualidade, ainda não se pode falar nada. Portanto, para o bem dos usuários, devemos todos torcer para que tenhamos no Brasil um aparelho que, se não for um dos melhores do mundo, pelo menos seja seguro e seja fruto de um projeto profissional, e não uma iniciativa amadora e inconseqüente como a grande maioria das iniciativas ao redor do mundo.
Luciano Tanz
Engenheiro de Aeronáutica formado pelo ITA, trabalhou na EMBRAER fazendo cálculos aeroelásticos para seu novo jato, o BEM-145, e a nova versão do Super-Tucano, o ALX. Desde 1996,tem feito pós-graduação no próprio ITA, onde o tema de sua tese é Estudo Aerodinâmico de Túneis de Vento Verticais.