Tecnologia desenvolvida para construir equipamento para parque de diversões será a base para a fabricação de geradores eólicos

   

Na beira de uma pista de kart, numa conversa entre quatro amigos, surgiu a idéia de se fazer um simulador de queda livre ou de pára-quedismo: um túnel de vento vertical em que uma hélice potente lança para cima quem entra dentro dele. A idéia apareceu para os amigos em 1996. Dez anos depois, um dos participantes da conversa, Luciano Tanz, engenheiro aeronáutico formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), vê o produto sendo montado, peça por peça, da janela de seu escritório. O Wind Up deve ser o primeiro produto da empresa Dýnamis, que recebeu financiamento do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), para que a idéia nascida na pista de kart se concretizasse. O Wind Up pode ser usado para treinamento militar em pára-quedismo, por exemplo, ou como atração em parques de diversão e eventos. O da Dýnamis deverá estar pronto no final deste ano. O conhecimento gerado no desenvolvimento do produto está na base do novo projeto da empresa, um gerador eólico de médio porte, também apoiado pelo PIPE.

A história do Wind Up mostra todos os percalços que um empreendedor enfrenta no Brasil. O mais sério deles é a questão do financiamento, diz Luciano, que coordena os dois projetos e dirige a empresa. Na época da conversa com seus amigos, ele trabalhava na Embraer. Todos se empolgaram com o projeto, no início, mas foram desistindo ao verem a complexidade tecnológica do produto e as dificuldades em levantar capital. Apenas Luciano continuou no sonho de fazer um simulador mais barato e mais silencioso do que os concorrentes importados. “Esse produto servirá para alavancar recursos para a empresa. Vamos fabricar esse para alugar o equipamento para gerar caixa para novos projetos da Dynamis. Nossa intenção não é fabricá-lo em série”, explica.

Do PIPE veio um total de R$ 400 mil para a pesquisa, mais R$ 150 mil em bolsas técnicas para financiar a contratação de recém-formados; do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), R$ 100 mil, por meio das bolsas RHAE — valores aproximados. Na equipe de 14 funcionários, oito são bolsistas, jovens recém-formados aos quais Luciano dedica atenção, por conta da necessidade de treinamento e orientação.

Pesquisa e Desenvolvimento

O Wind Up é um equipamento móvel. Está sendo instalado sobre uma carreta de 15 metros de comprimento. O trabalho de pesquisa e desenvolvimento (P&D) concentra-se na busca por alta eficiência e baixo ruído, além de mobilidade, segurança e conforto. Auxiliado por pára-quedistas, Luciano coletou dados sobre saltos e sobre os efeitos do vento no corpo humano. “Com todos esses dados, foi possível simular o túnel em computador e otimizar sua aerodinâmica, visando ao melhor aproveitamento de energia”, explica o empresário no projeto apresentado para Fapesp.

As hélices projetadas medem 2,7 metros, têm 11 pás e são movidas por um motor a diesel. Como era importante chegar a um baixo nível de ruído do conjunto hélice-motor, a acústica foi o primeiro desafio em termos de P&D. “Desenvolvemos um equipamento para fazer testes e medições em acústica que acabou se tornando um subproduto do Wind Up“, conta. A empresa desenvolveu o novo aparelho e também elaborou o software responsável pelas medições — pois não havia no mercado um produto já pronto que medisse os ruídos de baixa freqüência emitidos pelas hélices. Agora a empresa também presta serviço para outras firmas, fazendo testes acústicos.

A empresa estudou ainda os materiais. A espuma ideal para revestimento do tubo de vôo custa, no mercado, cerca de R$ 60 mil. O material é importado. Para reduzir esse custo, Luciano fez um novo material, que custa R$ 7 mil. O sistema de transmissão, que leva a potência produzida pelo motor até a hélice, fazendo as pás girarem, também foi resultado de um esforço da própria Dynamis. “Surgia muita coisa nova para a gente durante o desenvolvimento do Wind Up e todos esses trabalhos levaram a um atraso no cronograma. Por isso, o equipamento só deve ficar pronto no final do ano”, diz.

O grande desafio desses simuladores, dizem empresários que atuam no setor, é fazê-los móveis, mantendo os padrões de segurança para os usuários. No exterior — em especial nos Estados Unidos, os líderes na tecnologia —, a maioria dos equipamentos é fixa, pois algumas experiências com móveis resultaram em acidentes. Os custos para desenvolvimento são elevados. Somente para inovações incrementais, a Sky Venture, uma das líderes do setor gasta, anualmente, entre US$ 1,5 milhão e US$ 2 milhões. Em dez anos, essa empresa investiu cerca de US$ 10 milhões no desenvolvimento dos simuladores fixos. A solução da hélice vertical também é um desafio complexo. No mercado, os modelos fixos mais avançados estão incorporando as hélices na parte de cima do equipamento, mas essa tecnologia é patenteada.

O projeto da Dynamis é inovador nesse quesito, diz Luciano. “Estamos desenvolvendo um simulador móvel com características do fixo”, aponta. Ele trabalha com um plano de hélice vertical, ao invés de horizontal, o comum nos equipamentos fixos. Um duto leva o vento gerado para dentro do túnel de vôo. As pás da hélice são feitas com uma dupla camada protetora. A primeira deforma e absorve impacto; a segunda é mais robusta. Em uma situação extrema como uma pá da hélice sair voando, a projeção da hélice na vertical faz com que ela caia no solo e não vá em direção aos espectadores, por exemplo. Um sistema de freio reduz a velocidade do vento mais rapidamente, em caso de pane. Além disso, existem as proteções de tela e redes colocadas no tubo de vento.

O Wind Up precisa ficar pronto até o final deste ano porque os recursos estão acabando. A maior preocupação de Luciano é com a equipe de bolsistas, que são os funcionários da empresa, ao lado de cinco soldadores e da secretária. As bolsas concedidas pela Fapesp e pelo CNPq acabam este ano. “Gastei um tempo no treinamento desses técnicos e não quero perdê-los justamente agora”, diz. A principal fonte de renda com o equipamento será o aluguel do Wind Up para as empresas divulgarem suas marcas em eventos. O aparelho tem, na parte superior e nas laterais, um espaço reservado para divulgação dos logotipos das companhias. Outra idéia do empresário é concorrer em editais de patrocínio de empresas como Petrobras e Banco do Brasil.

O gerador eólico

O conhecimento adquirido no projeto do Wind Up será a base do novo produto da empresa. No primeiro semestre de 2006, a Fapesp aprovou outro financiamento para que a Dýnamis estude a viabilidade de projetar e construir um gerador eólico — dentro da chamada Fase I do PIPE. A empresa quer produzir geradores eólicos de médio porte, com diâmetro de 15 metros. Luciano não quer dizer a potencia do gerador — mas como ele se chama Eoldyn 50, provavelmente é de 50 kW. A idéia da Dýnamis é aproveitar a janela de oportunidade da redução das reservas energéticas mundiais e a busca de fontes alternativas de energia. “No Brasil, apesar de já existirem várias fazendas eólicas, praticamente todos os equipamentos são importados e de alto custo”, lembra o empresário. Quatro bolsistas que estavam no projeto do Wind Up serão transferidos — ou ‘promovidos’, como brinca Luciano — para o desenvolvimento do gerador. Um dos bolsistas está trabalhando apenas com a parte de informática, desenvolvendo as bases que vão sustentar o novo projeto. Luciano tem dois mercados em mente: vender os geradores para as fazendas eólicas e montar uma usina, no futuro, com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ou de outra agência de fomento.

A saga do empreendedor

A história da criação da Dýnamis revela as dificuldades que atravessam o caminho de quem empreende — e o papel da Fapesp e de outras agências de fomento para viabilizar os primeiros projetos. Em 1997, Luciano saiu da Embraer e começou a fazer mestrado no ITA. Dentro do curso, procurava informações que pudessem auxiliá-lo no desenvolvimento do Wind Up. Também iniciou a luta pelo capital para poder formar a empresa. Primeiro, tentou divulgar o projeto do produto na mídia, usando da publicidade para atrair investidores. Conseguiu um espaço na revista Superinteressante, da Abril, e com essa pequena reportagem, precisou registrar a marca do produto. “Para proteger a marca, precisei criar a empresa, o que ocorreu em 1997”, lembra.

O próximo passo foi procurar dinheiro. Inicialmente, ele pensou em empresas parceiras, em especial os parques de diversão, pois esse tipo de equipamento é muito utilizado por esses empreendimentos no exterior. Procurou o Playcenter, que quase fechou acordo, mas retrocedeu por causa da crise econômica de 1997. Tentou também o Beto Carrero World, sem sucesso. “Foi minha lição: esse tipo de parceria só se consegue quando temos algo palpável, concreto, nas mãos. Em projeto, ninguém investe”, conta. Foi ainda procurar incubadoras, como a Companhia de Desenvolvimento do Pólo de Alta Tecnologia de Campinas (Ciatec), onde fez o curso para jovens empreendedores. “Mas as incubadoras oferecem o espaço físico e meu problema não era esse, era obter capital para começar o projeto do Wind Up”, diz.

Luciano falou com a Caixa Econômica Federal, que lhe pediu o faturamento da empresa — que era zero. Tentou com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), dentro da linha de recursos reembolsáveis, e veio a mesma exigência da Caixa. Como apresentar faturamento se a empresa é formada, basicamente, por um projeto inovador? Sem poder cumprir essa exigência, desistiu dos bancos e da Finep. “Inicialmente projetei um equipamento fixo, e para isso precisaria de alguém vinculado ao projeto para montá-lo em um local. Simplifiquei o projeto do equipamento, tornando-o móvel e, por isso, mais compacto, o que reduziu custos e eliminou a necessidade do parceiro para a instalação”, revela.

Cansado de correr atrás de capital, começou o projeto com recursos próprios, vindos do aluguel e venda de terrenos e galpões pertencentes à família, além de alguns trabalhos que fazia como prestador de serviço em engenharia. O pai de Luciano, Rudolf, acompanha a empreitada desde o início. “Sem ele me apoiando, nada teria ido para frente”, agradece. Com o pai de sócio, comprou a carreta para montar o simulador. A essa altura, o mestrado no ITA ficou em segundo plano; apesar de ter cursado todos os créditos necessários e de ter aplicado muitos dos conhecimentos adquiridos na pós-graduação em seu projeto, Luciano nunca apresentou a monografia para conseguir o título de mestre.

Um diretor da Mectron, empresa de base tecnológica de São José dos Campos, foi quem “apresentou” a ele o PIPE. Luciano enviou, então, o projeto do Wind Up para a Fapesp e conseguiu um financiamento junto ao PIPE para a chamada Fase II, que apóia o desenvolvimento da parte principal da pesquisa. Posteriormente também obteve bolsas do RHAE Inovação, do CNPq. “Sem esses auxílios, não há como uma pequena empresa fazer pesquisa e desenvolvimento”, aponta o empresário.

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